Como Iemanjá, um Orixá da cultura africana se tornou branca e com traços europeus?
O sincretismo religioso não nasceu com a Umbanda, porém a acompanha desde sua fundação.
Apesar de muitos autores detabarem sobre o tema, expondo que sua fundamentação surgiu com a linha de pretos velhos, o fato é que essa relação entre o catolicismo e as religiões africanas está enraizada em fatores histórico-culturais presentes no período colonial e que se estendem ao próprio "fundador" da Umbanda, Zélio de Moraes.
Durante o Brasil colônia negros e ínidos foram escravizados pelos português e demais europeus que invadiram esse território e proclamaram as terras como suas.
Apesar de não estarem interessados nas terras ou suas riquezas, a igreja católica também encontrou na nova colônia portuguesa algo a ser explorado. Para os padres e jesuítas, o Brasil foi e ainda hoje é uma grande oportunidade de arrecadar almas para a igreja.
Para isso foram organizadas diversas missões jesuítas e durante elas os índios ou negros que se convertiam ao catolicismo recebiam alguma proteção desses padres perante seus senhores, afinal, deixavam de ser selvagens e apenas mão de obra escrava, para se tornarem cristãos, filhos de Deus.
Mas é claro que não se pode destruir uma cultura inteira apenas com um batizo.
Antropológicamente, a religião é uma das mais significativas formas do ser humano se ver e isso se reflete nos símbolos e crenças que a compões. Segundo Mircea Eliade, as imagens, os símbolos, os mitos, não são criações irresponsáveis da psique; elas respondem a uma necessidade e preenchem uma função: revelar as mais secretas modalidades do ser. Por isso, o seu estudo nos permite conhecer o homem.
Com a necessidade de manter o que era parte importante de si, uma parte de sua cultura e organização social os negros fingiram aceitar as imposições da igreja católica e silenciosamente reverteram a sua cultura a novos símbolos, as imagens católicas.
No Rio de Janeiro o trabalho de africanos escravizados era predominante, recebendo principalmente grupos originários da Angola. Calcula-se que cerca de um milhão de africanos desenbarcaram no porto carioca. E foi justamente nesse estado que o médium e "fundador" da umbanda Zélio Fernandino de Morais nasceu no ano de 1908, apenas 20 anos após a assinatura da Lei Áurea, que libertava todos os escravos.
Nesse contexto o cidade maravilhosa começa a sofrer com as primeiras favelas e cortiços. Pois, apesar de ser um grande avanço o final da escravidão, isso não ocorreu de forma organizada e os negros, agora livres, não tinham condições de vida adequadas e precisavam se refugiar para os morros e tentar novas formas de ganhar a vida.
Muitos desses africanos começaram a reliazar atendimentos espirituais, outros faziam remédios caseiros e assim, formou-se uma sociedade à margem da sociedade carioca.
O momento em que Zélio "fundou" a Umbanda ele ainda fazia parte da aristocracia carioca. Apesar de seu papel fundamental para a propagação da religião, Zélio era branco e católico.
Assim como a catequese não pode mudar antropológicamente os africanos, a presença e orientação de um guia espiritual (Caboclo das Sete Encruzilhadas) que compreende as limitações culturais de sociais, além do livre arbítrio de seu médium não apagaria todo o contexto cultural que Zélio trazia.
Assim surgiu a Umbanda, com todo o seu sincretismo, afinal, se os guias são espíritos evoluídos que já estiveram encarnados nessa terra, certamente trouxeram os ensinamentos de todas as vivências do período colonial.
Apesar da aceitação social e das grandes mudanças sociais que os anos trouxeram, ainda existem marcas profundas desse sincretismo na Umbanda, como a tão conhecida imagem de Iemanjá com traços bastante europeus, os pontos que falam de Deus, Virgem Maria e Nossa Senhora; ou até a oração do pai nosso ou a prece da serenidade que é feita em muitas casas.
Se isso é prejudicial de alguma forma?
Certamente temos a religião mais universalista que é possível imaginar e com certeza brasileira. Acredito que prejudicial é não praticar a caridade, ou praticar ações irresponsáveis em nome da Umbanda.
Não creio que existe perigo na cor do gesso que é usado na sua casa, ou, se essa casa se chama seara, terreiro ou casa mesmo. Não vejo diferença no coração de quem sauda o seu irmão com um axé ou com um amém.
Acredito que se os guias, mesmo perante toda a carga negativa de uma escravidão e uma catequese muitas vezes forçada continuam a trabalhar e a cantar os pontos em nome de Oxalá ou Jesus, não serão os símbolos que compõe a nossa fé que farão uma casa com maior ou menos luz.
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